cartas de amor.

Eu estou escrevendo uma carta para os meus pais. A verdade é que já tenho pensado sobre isso há muito tempo. Enquanto pensava lembrava do bolo de cartas que existe guardado em algum lugar da casa e que enquanto criança eu procurava tal qual um tesouro. São cartas de amor e saudade trocadas entre os meus pais, ainda na época do namoro.
O que aconteceu foi que meus pais namoravam porém meu pai resolveu ir para São Paulo em busca de um futuro (e presente) melhor. Trabalhava e mandava o dinheiro quase todo para os meus avós. Dormiu ao relento, comeu comida azeda porque era a única coisa que tinha… Ele sempre me conta a história com um profundo pesar e os olhos perdidos de quem lembra do sofrimento. Porém, no meio de tudo isso, ele ainda namorava minha mãe.

Alguns dos seis anos que ele morou em São Paulo foram povoados por cartas trocadas, levadas pelos correios até o interior do Ceará. As cartas tiveram fim quando a distância e a imprevisibilidade da volta falaram mais alto. Uma chance para minha mãe tentar outra vida, outro amor, começar uma família.
Lhes adianto que apesar disso, assim que meu pai retornou ao Ceará, também retornou o romance. As cartas tinham dado uma trégua, o amor não.
Eu penso nas cartas e imagino como devia ser receber algo que esteve nas mãos de quem você ama. Milhares de quilômetros separando os corpos e aquelas cartas dando a possibilidade de tocar no mesmo pedaço de papel, ver a letra e sentir as marcas da escrita.

Foi pensando nisso que eu resolvi escrever para os dois. Por saber que eles tem essa vivência, por saber da saudade e para que eles saibam do meu amor.

Em julho, enquanto estava em Porto Alegre, comprei um cartão postal na loja da UFRGS. Escrevi uma mensagem nele entre uma palestra e outra do evento acadêmico. Por falta de familiaridade com a cidade acabei não enviando. Guardei e pensei que depois colocaria nos correios.

Em agosto eu fui até a livraria da UFSC e resolvi comprar outro cartão postal. Escolhi um que agradasse aos dois. Natureza e arquitetura. Escrevi uma mensagem mas também deixei guardado e não enviei.
Era algo sobre ter o meu amor escrito, sem envelope algum, passando nas mãos alheias. Alguém leria aquilo? Um carteiro fazendo uma pausa na sua rota saberia que eu estou morando a 4mil quilômetros e que sinto saudade dos meus pais? De todo modo, guardei o postal junto com o comprado em Porto Alegre.

Daí hoje voltei até a livraria da UFSC. Buscava alguma coisa colorida e bonita para me alegrar. Tinha acabado de ler um texto para a prova da seleção de doutorado que se aproxima e duvidava da minha capacidade. Entre bugigangas de papelaria eu perguntei a um funcionário se eles tinham envelopes. Ele estranhou eu estar buscando um envelope para cartas e não para documentos. O meu “um envelope normal” foi entendido por ele como um “envelope normal para documentos porque é para isso que se compra envelopes”. A minha tristeza, que até então só seria abatida por coisas brilhantes e coloridas, se acompanhou e apaziguou com um envelope completamente branco.

Já coloquei os postais dentro do envelope e vou adicionar uma pequena carta. A prova de doutorado será segunda-feira às 14h. É ela que vai trilhar o caminho para saber se mais 4 anos me aguardam nessa cidade. Decidi enviar a carta pouco antes da prova para deixar meu amor e ansiedade atravessarem quase um país inteiro e chegarem nas mãos dos meus pais. Me aquece o coração saber que de alguma forma estaremos quase que fisicamente perto, nem que seja pelo intermédio de um papel.

Agora, só uma coisa mais uma coisa. Por favor, não contem pra eles. É surpresa.

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